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O último trago

  • Foto do escritor: Admin
    Admin
  • 17 de ago. de 2018
  • 5 min de leitura

Em meados da década de 60 eu contava os meus 17 anos, o meu primo tinha 20, ele fumava cigarros de tabaco e o seu preferido era o Continental, ou simplesmente onze letras como era chamado na minha terra, fabricados pela Souza Cruz.

Naquela época as empresas produtoras de tabaco gastavam verdadeiras fortunas em propagandas bem elaboradas, com pessoas bem sucedidas, enaltecendo o sucesso dos protagonistas dando a impressão que fumar, era o que faltava em você pra se tornar importante.

Meu primo era um cara que estava sempre de bem com a vida, metido a conquistador, fazia sucesso com as moças, mas os três anos mais velhos pareciam uma eternidade para mim, porque não conseguia pegar nem as sobras que ele deixava. Eu fazia tudo que era possível e nada! Começava acreditar na tese das pessoas que diziam que eu tinha olhos bonitos, mas o conjunto não agradava.

Sentia que tinha que mudar o jogo, se quisesse fazer parte daquele universo. Decidi que a solução era ter uma conversa com o meu primo, expor o meu lado fraco e ser ridicularizado no meio da turma, mas era um risco que eu precisava correr.

Um dia achei que era o momento e desabafei. Ao contrário do que imaginava, ele respeitou o meu problema e ainda elogiou minha decisão em falar sobre este assunto. Desculpou-se, pois sendo mais velho deveria ter me alertado, mas por conhecer a forma de pensar dos meus pais, tinha dúvidas.

Entretanto, como eu estava pedindo ajuda, ele foi muito franco e me disse: o que falta pra você; é adquirir o hábito de fumar porque além revolucionar a forma de pensar das moças, fumar acalma, aumenta sua coragem, reduz a ansiedade a zero e dá muito prazer na vida.

A partir deste dia a bola estava comigo, precisava tomar uma decisão, mas, como faria isso? Meus avós fumavam, meus pais odiavam, eu era o mais velho, tinha que dar exemplo, aquilo me martelou a cabeça por uma semana, depois disso conclui que o hábito de fumar seria o melhor, e comecei fumando escondido dos meus pais.

Em apenas um mês, estava viciado, já fumava um maço por dia. No início dos anos 70, trabalhava no banco no período noturno e conseguia fumar três maços em apenas um dia.

Nesta época conheci uma moça que 10 anos depois nos casamos. Ela não fumava e nem ninguém da sua família. Como estudávamos na mesma escola, eu comecei a frequentar sua casa aos domingos para estudar e ganhar o almoço.

Foi nesta casa que comecei a perceber o meu egoísmo, a minha falta de educação. Pois enquanto fumava que nem uma chaminé de fábrica de pneus, eles apenas olhavam para mim com aquele olhar de reprovação, mas nunca me criticaram, e esta forma de agir por parte da família doía mais do que se fosse proibido fumar enquanto por lá estivesse, o que seria legítimo.

Menos de um ano depois mudei de emprego e fui trabalhar em um laboratório farmacêutico, uma multinacional americana e neste período comecei a sentir os efeitos que o tabaco estava fazendo na minha saúde. Foi diagnosticado que estava com extrassístole, o médico disse que eu tinha que parar de fumar ou o cigarro ia me parar.

Como fazer isso se entre comer e fumar eu preferia fumar, eu já tinha milhões de problemas, que eram amenizados pelo hábito. Porém, uma série de sintomas envolvendo meu organismo começou aparecer de uma forma muito rápida: cansaço, esgotamento, estresse e ansiedade.

Quem é fumante inveterado sabe que fumar, é uma necessidade que se coloca em primeiro plano na vida. Falo de atitudes patéticas como: pedir cigarro a um amigo, a um inimigo e até para um desconhecido quando não temos dinheiro pra comprar. Acordar no meio da noite e descobrir que não tem cigarro significa que você vai sair, pra comprar no centro da cidade, naqueles botecos abertos 24 horas. Os riscos de andar a esta hora da noite pela rua são ignorados, entendemos que ficar sem fumar causa uma paranoia tão intensa com o aumento explosivo de adrenalina, que nos deixa de tal forma descontrolados capazes de qualquer coisa.

Arranjamos motivos pra acender um cigarro e quando não temos motivos inventamos ou apenas fumamos sem perceber, a coisa se torna compulsão, por vezes me peguei acendendo um cigarro no outro, em diversas ocasiões na minha sala de trabalho alguém entrava e dizia o fulano saiu da sua sala e esqueceu o cigarro aceso no seu cinzeiro. Neste momento, eu comprovava que estava louco, porque tinha dois cigarros acesos no cinzeiro e outro na minha boca e, todos eu os tinha acendido.

A essa altura, comecei a notar o meu cabelo amarelado, os meus dentes cheios de mancha escura, o meu bigode tinha três cores: preto, o branco por causa da idade e o amarelo por causa do cigarro. Os meus dedos, principalmente da mão direita estavam esverdeados e minhas unhas com uma cor estranha.

Um sintoma recorrente era uma tosse noturna constante, com muita secreção colorida que eu engolia normalmente, porque acho falta de educação cuspir. Não conseguia me concentrar, parecia um zumbi, minha roupa, minha cama, minha casa, meu carro enfim, em todo espaço que eu ocupava, o cheiro era de cinzeiro sem lavar nunca. Fui ficando magro e o meu peso não passava de 52 quilos isso graças a minha cabeça grande de nordestino que nunca diminuiu de tamanho.

Uma sexta feira fomos visitar meu cunhado em uma cidade do interior, saímos quase meia-noite porque eu gostava de correr no meu Passat envenenado e esta hora da noite não tinha trânsito na Anhanguera. Estava a uns 150 km/h, quando o cigarro escapou e caiu no banco de trás. Resolvi apagá-lo pra não queimar o banco, me virei em direção ao cigarro queimando e esqueci que estava dirigindo e quando retornei a direção estava saindo da estrada, instintivamente joguei o carro para pista, mas por causa da velocidade o carro rodou na estrada um monte de vezes.

A sorte estava do meu lado porque fisicamente nada aconteceu, mas o susto foi tamanho que depois de controlar o carro parei no acostamento minhas pernas tremiam tanto que só consegui dirigir depois de uns 15 minutos.

Finalmente, chegamos ao nosso destino e durante o resto da noite não conseguia dormir, pensando no ocorrido e nos motivos. Às sete da manhã enquanto tomava café, junto com a família, falei pra mulher do meu cunhado que após aquele café eu fumaria o último cigarro. Assim foi, fumei o cigarro até encostar-se ao filtro dando o “último trago”.

Passou mais de 30 anos e nunca mais fumei. Claro que na primeira semana quase fui internado, com alucinações, pesadelos, não conseguia raciocinar estava literalmente louco. Na semana seguinte comecei a me alimentar, comer cenoura crua todas as vezes que tinha muita vontade e escovar os dentes sempre que comia algo, esfregar limão nos meus dedos. Apelei para religião “todas” e em centro de macumba alguém me prometeu tirar o encosto de uma alma penada que tinha morrido de câncer por causa do vício. Acho que tudo isso ajudou.

Hoje estou convencido que o que realmente me fez parar, foi querer fazer isso, querer alguma coisa de verdade é certamente a única ferramenta que dispomos para conseguir o que queremos.



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José Maria Falcão é Cearense, vive em São Paulo desde a década de 70, seu primeiro trabalho foi numa empresa de mineração onde recebeu os primeiros incentivos para estudar química. Durante a sua formação acadêmica, trabalhou num laboratório multinacional farmacêutico. Desde 1985 trabalha numa empresa de produção e comercialização de produtos químicos. Apaixonado por lugares extremos, gosta de ler e experimenta a difícil tarefa de escrever. Escreveu e publicou na AMAZON três livros:
Um Falcão na Antártida 
Contos, Crônicas & Imagens 
Um Falcão no Ártico

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